Com 200 anos de independência recém-comemorados em 18 de setembro de 2010, o Chile contemporâneo revela-se como um país pautado pela prosperidade. Em meio às fragilidades globais, a economia chilena apresenta, já há alguns anos, índices significativos de crescimento, além de o governo ter conseguido reduzir sensivelmente a miséria e o analfabetismo entre os chilenos.
O clima próspero pode ser conferido em meio à vida na capital. Em Santiago, onde neste momento ocorre o Festival Internacional de Teatro Chileno, instituições e centros culturais (como o La Moneda e o Museu de Bellas Artes) convivem em harmonia com shopping malls, parques, um eficaz sistema de transportes (ônibus e metrô) e um ar cosmopolita confiante que invade o comportamento de todo chileno. O próprio Santiago a Mil, com seus 70 espetáculos nacionais e internacionais espalhados em diversos locais da capital, é um exemplo notório do progresso chileno.
Foto-performance do artista plástico chileno Francisco Copello
Nem tudo são flores, no entanto. Se há motivos para comemorar, também há muitas justificativas para não fazê-lo. Muitos espetáculos nacionais do Festival Internacional de Teatro tratam de abordar temas delicados que questionam a atmosfera “já ganhou” chilena.
Compondo a seleção nacional, o espetáculo La Mala Clase, dirigido por Ariocha dela Sortra, apresenta no Teatro Antonio Varas um retrato triste do sistema educacional chileno. Em cena, três alunos, ajudados por um quarto companheiro, tentam convencer a professora de que eles devem ser aprovados de ano. O espetáculo, regado por uma trilha sonora tão boa quanto depressiva – com direito a Smells like teen spirit, do Nirvana, Creep, do Radiohead, e Here comes the sun, dos Beatles – contrapõe duas visões de mundo. De um lado, a professora, símbolo de esforço e dedicação, mas também de decadência e inadequação. De outro, jovens antenados, que incorporam tanto os gadgets eletrônicos que mais se parecem com um.
Já o díptico cênico Villa + Discurso, os dois últimos espetáculos de Guillermo Calderon que estreiaram no Festival, trazem à tona lembranças da ditadura chilena. Em Villa, três jovens chilenas tentam entrar em acordo sobre o destino de Villa Grimaldi, o principal centro de tortura e extermínio da ditadura de Pinochet. Aqui, o despojamento casa-se com a objetividade para tratar de temas como a memória, o feminino, a arte e a política. A ação se passa, de fato, em uma das salas do centro de extermínio Londres 38, no centro de Santiago, estabelecendo uma atmofesra cênica opressiva. O excelente texto de Calderon complementa a densidade, com diálogos fluentes, ritmo, pontuações e uma certa dose de humor negro.
Discurso, por sua vez, é um monólogo a três vozes que encena um suposto discurso de despedida da presidente do Chile Michelle Bachelet. A ação aqui não é tão interessante quanto no primeiro espetáculo, apesar de haver uma complementaridade entre os dois. O discurso de Bachelet, e o própria importância de sua figura no poder, parecem descambar às vezes para uma reprodução vazia de clichês políticos. Discurso, no entanto, possui um final surpreendente que supre todas as escorregadelas dramatúrgicas. (Para ler uma crítica do espetáculo, clique aqui)
Outros retratos chilenos são realizados no espetáculo de rua La Larga Noche de los 500 años, de Ignacio Achurra, e El Olivo, de Luis Guenel, que compõe a seleção de Teatro Chileno Emergente, abordados a seguir.