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A política das imagens segundo Harun Farocki

No dia 30 de julho de 2014, morria o cineasta alemão Harun Farocki. Se o ciclo de vida de Farocki se encerrava neste dia, felizmente a sua obra permanece sendo uma das mais contundentes do circuito artístico contemporâneo. Comprova tal fato a exposição “Trabalho em uma única tomada” (Labour in a single shot), que abriu na The Haus der Kulturen der Welt, em Berlim.

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Composto por uma exibição, um seminário e workshops, o projeto investiga as condições contemporâneas de trabalho em 15 cidades ao redor do mundo. O ponto de partida para a obra é um dos primeiros registros do cinema realizado pelos irmãos Lumière em 1895. Trata-se, na verdade, do primeiro filme exibido em público que, em 45 segundos de um plano sem cortes, focaliza os funcionários da fábrica dos irmãos saindo apressadamente rumo a seus afazeres domésticos e demais compromissos, como se estivessem repelidos pelo ambiente profissional.

Não é a primeira vez que Farocki se volta para esta cena. Em 1995, o artista produziu um filme homônimo de 36 minutos, realizando pontes reflexivas entre o trecho dos irmãos Lumière e outras passagens que marcam a História do Cinema, sejam trabalhadores saindo de outras fábricas (como, por exemplo, em 1975, na fábrica da Volskwagen; em 1926, Detroit; em 1957, Lyon etc.) ou protagonistas de ficções (Charles ChaplinMarilyn Monroe aí incluídos). Trata-se, antes de tudo, de um filme-ensaio, onde Farocki mergulha no acervo audiovisual, de modo a selecionar, recortar, editar e, sobretudo, pensar as imagens. Neste trabalho, enquanto as cenas se desenrolam diante de nossos olhos, ouvimos a voz do próprio cineasta refletir sobre diversos assuntos, todos eles associados à política das imagens: a relação entre cinema e fábrica; a representação do trabalhador no cinema; as diferenças dos registros de uma mesma cena etc. Ao fazer isso, Farocki se aproxima de cineastas como Godard e Chris Marker que propõem reflexões densas através de seus filmes e documentários.

Goethe-Institut, Kunst; Farocki; Videos; Eine Einstellung zur Ar

Sendo um tríptico, Labour in a single shot se divide em três salas: na primeira, 15 televisores dispostos em semi-círculos exibem tomadas de trabalhadores saindo de fábricas. Ao contrário do filme-ensaio anterior, as cenas não foram apropriadas por Farocki, mas filmadas por ele, com exceção, é claro, do registro dos irmãos Lumière, exibido no primeiro televisor. Nos aparelhos subsequentes, assiste-se a trabalhadores contemporâneos saindo de seus locais de trabalho em quinze cidades diferentes: Buenos Aires, Rio de Janeiro, Berlim, Tel Aviv, Hanoi, Lisboa, Bangalore, Genebra, Moscou, Johannesburgo, Boston, Hangzhou, Cidade do México e Tødz. Em conjunto, estes registros parecem confirmar a seguinte opinião de Farocki, retirada de “Trabalhadores saindo da fábrica”:
Se alinharmos imagens de saídas de fábrica nos últimos cem anos, parece que neste período, gravou-se sempre a mesma imagem. É como se uma criança repetisse anos a fio a sua primeira palavra, de modo a eternizar esta satisfação.”

Se, na primeira sala focaliza-se apenas o ambiente externo do local de trabalho, no segundo recinto depara-se com trechos de indivíduos em pleno exercício profissional. Isto é, a câmera, desta vez, adentra o local de trabalho, focalizando geralmente o movimento das mãos. Neste espaço, a estrutura em arco cede lugar a uma disposição de telas atomizadas, dando a impressão de um ambiente urbano onde, eliminadas as paredes dos edifícios, podemos, enfim, observar o trabalho alheio. O trabalho, com isso, expõe-se aos olhos de todos.

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O semi-círculo que estrutura o primeiro espaço é também encontrado no terceiro, onde trechos de filmes ficcionais – todos, em sua maioria, já presentes em “Trabalhadores saindo da fábrica” – são exibidos separadamente. Trata-se de um complemento interessante ao primeiro arco, na medida em que as narrativas se desenrolam com a fábrica ao fundo, como se fosse possível haver vida quando se está de costas em relação ao ambiente de trabalho.

Se “Labour in a single shot” é uma espécie de continuação de “Trabalhadores saindo da fábrica”, as duas obras apresentam estruturas bem distintas, a começar, é claro, pela diferença entre a descentralização das imagens na exposição e a sequência de cenas que constitui o filme. A maior diferença, todavia, refere-se à ausência, na exposição, da voz de Farocki, de sua reflexão enunciada. “Labour in a single shot” é mudo, sem haver a fala do artista para apontar para os aspectos sobre os quais, na imagem, ele gostaria de pensar.

Há que se minimizar tal diferença, levando-se em consideração que se trata de um projeto póstumo. Nesse sentido, a reflexão ficou por conta de um conjunto de especialistas que, durante os primeiros dias da exposição, se reuniram para analisar e prestar homenagem à obra de Harun Farocki.

Categorias: Blog. Tags: carrossel, Charles Chaplin, Chris Marker, Harun Farocki, Jean Luc Godard, Lumière e Marilyn Monroe.