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UM OBJETO SIM UM OBJETO NÃO

 – ENTREVISTA COM FRED COELHO –

Conheci meu amigo Fred, ou Frederico Coelho, enquanto discotecava em uma festinha de aniversário. Toquei uma versão de “É de Manhã” ao vivo com Jorge Ben, do disco Phono 73. Ele veio perguntar que versão era aquela e a partir daí não paramos mais de conversar sobre ouvir, consumir e fazer música. Tocamos juntos nas bandas “Filhos de Jorge” e “União Responsa do Samba Solto”. Além disso, começamos a festa “Phunk!”, que marcou época no Rio de Janeiro, pelos idos de 2001, entre outros projetos de domínio mundial.

Fred Coelho é hoje professor de literatura e artes cênicas da PUC Rio. Estudou no IFCS, onde participou da rádio Pulga e do jornal Pulo. Escreve livros, artigos, resenhas e textos em geral sobre literatura, música, artes visuais e cultura brasileira. Alguns dos textos estão publicados no blog www.objetosimobjetonao.blogspot.com

Fiz uma entrevista com Fred sobre o atual cenário da música. Esta é a primeira de uma série que  Publicarei de quinze em quinze dias aqui no site do Tempo Festival.

Haroldo Mourão   Fred, você é um pesquisador musical, tocou em várias bandas e já mediou vários debates. Um deles, ano passado, no Festival Novas Frequências com o guru David Toop. Depois de todas essas experiências e conversas, o que mais “pega” de bom e de ruim na música contemporânea?

Fred Coelho   O que mais “pega” na música contemporânea do ponto de vista positivo é sua amplitude, sua generosidade de gêneros, procedências, possibilidades sonoras, sua vasta possibilidade de criação, com colagens, mashups, samplers, máquinas diversas que democratizam a ideia de “fazer som”, aliás, a própria ampliação de que música é som, e isso incluí o ruído, a máquina, o beat metálico, o grave etc. O que pega de problemático, de negativo, é que mesmo com toda essa potência contemporânea de acervo e técnica, o meio musical, em sua média universal, no que chamamos de pop, ainda é muito conservador, preso a certos padrões que continuam menosprezando – ou agradando em cheio, vai saber – o ouvinte contemporâneo. Um cara como David Toop não está aspirando o meio pop, mas também não poderia viver em plena obscuridade, como vive ao menos no Brasil. Mas, como sempre, tudo tem muitos lados.

É uma tendência de hoje vermos cada vez mais os chamados nichos, grupos específicos de consumo cultural serem felizes e bem sucedidos em sua própria circulação e consumo. Nesse caso, não haverá nada muito underground como antigamente, mas também nada muito bombado que dure mais do que um ano (vide a rotatividade de sucesso das novas cantoras gringas jovens, que foi Adele, Lana del Rey e Lorde em menos de dois anos, fora outras que não me lembro). Acho que hoje, em suma, o bom e o ruim estão aí, fartamente distribuídos, bastando saber o que o freguês quer. A vantagem é que o que antigamente era muito distante, apartado (underground x mainstrean, por exemplo), hoje se contamina mais, e temos figuras como Lady Gaga ou Justin Timberlake que viram megapop hits, mas investem em ousadias estéticas e sonoras bem interessantes, de ponta para os dias de hoje.

Haroldo Mourão   A gente já tocou em uma banda chamada “Filhos de Jorge”, que fazia releitura das músicas do Jorge Ben. Tempos depois, os “Sebozos Postizos” surgiram com o mesmo repertório. Começamos a “Phunk”, que se tornou uma das maiores festas do Rio de Janeiro, ou seja, você participou de várias iniciativas que depois viraram moda. Como você acha que funciona esse radar para as tendências musicais?

Fred Coelho   Cara, confesso que não sei. Penso muito nisso, pesquiso sobre isso inclusive, isto é, como um grupo específico de agentes culturais, artistas, intelectuais, se articulam ao redor de um tema, de compromisso estético, e formam grupos que influem coletivamente e individualmente no seu próprio tempo e além. Creio que existam indícios geracionais,  pessoas mais abertas aos outros e ao que rola ao seu redor, que ficam curiosos e ficam futucando o que está por vir, o que rola.

Confesso que se nos idos de 1998/2002 eu era uma pessoa bem ligada no que rolava, hoje, é mais difícil, seja porque a internet explodiu com o volume de informações, seja porque as formas mudaram muito. Fazer uma festa que só tocasse grooves era o momento certo, pois a cidade era dividida em festas de gêneros e as tribos não se misturavam.

Hoje, as festas são eventos mais complexos, mais exigentes por parte de plateias mais antenadas e, ironicamente, novamente se fechando em seus gostos e grupos pessoais. Hoje, todo mundo pode ter sua própria festa. No caso das bandas, os sons que curtíamos na época eram os sons que estavam sendo curtidos por outros, formando a referência de gerações em vários lugares. Aí, uns fazem as coisas antes dos outros, mas não necessariamente conseguem levar adiante. As tendências musicais são muito voláteis atualmente e quem sente cheiro das coisas de longe está faturando bem ou bombando de seguidores em blogs da vida. Na era dos “trendhunters”, ter radar vale ouro.

Haroldo Mourão   Houve uma época em que o Recife bombou com o Mangue Beat. O Pará e suas aparelhagens reformularam o modo de produção e divulgação da música. E a Bahia vai do Lepo Lepo a Cascadura e Baiana Sound System. Com tanta diversidade no Norte-Nordeste, como você vê a cena musical Rio-São Paulo? Ainda é um eixo forte da produção nacional?

Fred Coelho   Sem dúvida, ainda é um eixo forte de legitimação musical para o resto do país. O sucesso local (seja do Pará, do Ceará ou do Mato Grosso) uma hora ou outra precisa passar por essas duas cidades para ganhar notoriedade Global (no duplo sentido) no país. Não que não façam grana e não tem milhares e milhares de fãs sem nem precisar aparecer na televisão, mas certamente o Rio e São Paulo ainda são os locais a se conquistar  para “consolidar nacionalmenteuma carreira”. Por outro lado, a produção, essa foi sim descentralizada.

Cariocas e paulistas ainda produzem bastante e com grande qualidade, mas os outros centros não cessam de oferecer músicos e ideias tão ou mais instigantes que essas duas cidades. Os festivais independentes, os ótimos blogs como Matéria, Soma, Banda Desenhada, Urbe e muitos outros, o soundcloud, o facebook e tudo mais nos faz descobrir bandas novas toda semana, no país inteiro. Do interior de MInas até a Paraíba, seja em que gênero for. Rio e São Paulo ainda é um eixo forte de produção, mas sua força já é dividida com outros espaços que produziram eixos tão fortes quanto, como Belém, Salvador ou, até hoje, Recife.

Haroldo Mourão   Agora uma pergunta sobre a gringolândia: Fora a nossa paixão em comum pelos ritmos jamaicanos e seus derivados, o que mais te impressiona na música que vem de fora?

Fred Coelho   O que mais me impressiona tem um pouco de resposta do que falei na primeira pergunta. É muita coisa, e cada vez maior. Como somos chegados na Jamaica e nos ritmos e derivações, é claro que meu ouvido sempre busca o grave, as invenções de produtores etc. Caras como Flying Lotus, Four Tet , Diplo, Clutchy Hopkins ou Nicolas Jaar  eu sigo com curiosidade o que fazem. Outros vão surgindo pelo caminho, sejam por amigos, redes sociais ou trabalho,  Mas também curto muito o rock contemporâneo, de várias bandas, além dos jamiacanos que vão surgindo em muito sons articulados a sonoridades e tecnologia no dubstep e em outras cavernices dessas. Gosto cada vez mais do rap contemporâneo, principalmente JJ Doom, Roots, Jay-Z, Tyler the creator, Riff Raff, Gaslamp Killer, tudo feito pelo Timbaland eu corro atrás, gosto de bandas mais abertas para experimentações como The Knife, Radiohead, Liars, mas também curto o pop bem feito. E, claro, sempre ouvindo o arquivo, porque no passado ainda tem muita pérola para ser descoberta em tempos de torrents!

Haroldo Mourão   Como você consome música: você pára e escuta com atenção ou bota o som pra rolar enquanto faz outra coisa? E podcasts, você costuma ouvir?

Fred Coelho   Escuto música trabalhando, então sim, deixo rolando imensas listas que eu preparo no meu itunes. Também escuto muito soundclouds alheios e coisas caçadas no facebook. Gosto ainda de ouvir discos inteiros e escuto muita música na rua, de fone. Para mim, o shuffle é a última forma de mistério que ainda preservamos na vida contemporânea. Nunca tive o hábito de ouvir podcasts. Não sei porque. Nem rádios virtuais. Acho que prefiro ter as músicas, provavelmente.

 

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