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SOBRE CAPENGUISMO E OUTRAS BOSSAS | ENTREVISTA COM LETÍCIA NOVAES

foto: Ana Alexandrino

A primeira vez que vi Letícia cantar foi no ensaio da banda Os Letícios, talvez a primeira banda dela, um amigo tocava bateria e me convidou. Fiquei tão impressionado com o jeito e o carisma dela que brinquei com os amigos que tinha conhecido “a próxima PJ Harvey”.

Ao longo dos anos, descobri a artista multifacetada que ela é: atriz formada pela Casa de Artes de Laranjeiras, se aventurou pelo stand up comedy, teve uma banda de música eletrônica, chamada Menáge a Trois, e curte astrologia.

Um dia, Letícia encontrou com o multi-instrumentista Lucas Vasconcelos, se apaixonaram e formaram uma banda, o Letuce. Lançaram dois discos: “Plano de Fuga Pra Cima dos Outros e de Mim” (2009) e “Manja Perene” (2012).

Hoje não acho mais que a Letícia será a próxima PJ Harvey. Ela tem tanta personalidade que, desde que esteja no palco, Letícia pode ser quem ela quiser.

Fiz essa entrevista na Livraria da Travessa Ipanema, foi em uma quinta-feira, às quatro da tarde.

Haroldo Mourão – É difícil cantar sobre o amor?

Letícia Novaes – Durante o tempo que eu e Lucas ficamos juntos, teve um lugar muito profundo pra mim, de falar de amor. Profundo e emocionante. E de falar de amor para um homem. Porque a maioria das músicas são sempre de um homem para uma mulher.

E a coisa mais foda, foi quando a gente se expôs em um post no Facebook contando que estávamos nos separando e novecentas pessoas curtiram a minha separação! (risos)

Na verdade, curtiram o texto que eu escrevi com ele. Falavam: “Vocês me ensinaram sobre paixão”, nosso primeiro disco era muito apaixonado. O segundo, “Manja Perene”, já é meio obscuro. Diziam que “revelamos as zonas sombrias do amor” e agora estamos mostrando como se separar pode ser fraterno. É claro que a gente brigou pra caralho, mesmo depois de separados. Mas só briga quem ama, né?

H. M. – Vocês continuam compondo e gravando juntos?

L. N. – Sim, agora é um processo completamente diferente. Os outros integrantes da banda estão mais presentes no processo, porque antes era só eu e o Lucas compondo.

Ano passado, a gente fez uma turnezinha em Portugal e alugamos um apartamento. Então era vinho de três euros e música! Nesse terceiro disco tem muita coisa desse período em Portugal.

O Tru e Tró Com a Sua Corja é uma outra banda e o processo tá mais coletivo ainda. É  bom mudar o sistema, a maneira de compor.

Quando você me disse que essa entrevista era pro site do Tempo Festival, lembrei da peça Alabama Chrome que eu e o Arthur Braganti (tecladista) assistimos em 2012, justamente no Tempo Festival. Essa peça também influenciou o espetáculo que estamos fazendo hoje – Tru e Tró com sua Corja em: Dresfrute ou Frite.

Eu sou a Letruce (Tru) e Arthur é o Artrose (Tró). Não sei como a gente teve coragem de botar o nome da banda com uma piada interna, mas tudo bem. Há muito tempo que eu não ficava tão animada com alguma coisa.

H. M. – Eu gosto. Tru e Tró parece uma coisa meio Alice no País das Maravilhas: Tweedlee Dum e Tweedlee Dee.

L. N. – Quando a gente viu o Alabama Chrome, foi uma doideira. Eram três atores músicos ou músicos atores que tocavam, cantavam e atuavam. Lembro que eu e Arthur pensamos que tudo era possível. Além disso, eu estava com saudades de fazer teatro e atuar. Não aguentava mais o esquema: cantei, agradeci, contei uma piada, essa é a próxima música.

H. M. – Como é sua parceria com o Arthur Braganti?

L. N. – O Arthur é o meu melhor amigo e uma vez a gente participou de uma peça do Jefferson Miranda, num climinha voz e piano e adoramos. Depois escrevemos uma peça que chamava “Vedete Saúda o Povo Brasileiro e Pede Passagem”.

Era a história de uma mulher, uma velha, que era a pior cantora do mundo. Ela nunca fez sucesso e não tem noção disso. Ela se chama vedete, porque a mãe dela queria que ela fosse vedete, mas ela nunca foi. Ela morria em cena. Era uma coisa muito bizarra. A gente mandou pra vários editais e, obviamente, não passou. O “Desfrute ou Frite” tem muito dessa peça da Vedete.

Dessa vez, é a história de uma noiva, meio triste e as músicas vão contando os momentos na vida dela.

H. M. – Que músicas são essas?

L. N. – São músicas autorais e releituras mirabolantes. Como “Strangers in the Night” e “Sabiá”, do Chico Buarque. Nessa hora, eu mesma jogo um tomate em mim. Também peguei uma música da Rosemary chamada “Feitiço de Broto”. Uma música hilária, porque ela fala com uma voz fofa que vai fazer uma macumba pra um cara ficar com ela. Ela canta assim: “Sexta Feira enluarada / bem na sua encruzilhada / um feitiço novo eu vou botar / meu feitiço vai ser forte / vai mudar a minha sorte/ vai fazer você pra mim voltar”. Só que eu canto de um jeito mais macumbeiro que o dela.

H. M. – Autêntica Jovem Guarda de terreiro!

L. N. – Né? A gente também canta “Take My Breath Away”. É um outro momento lindo do espetáculo.

A gente fez um manifesto. O Manifesto Capenguista.  Porque tá tudo muito asséptico e o “Desfrute” tem uma estética um pouco…capenga.

H. M. – O que é o Capenguismo?

L. N. – É a possibilidade de errar na frente dos outros.

H. M. – Fico impressionado com a sua facilidade de compor e de encontrar parcerias. É sempre rápido?

L. N. – Falando assim parece que as músicas saíram em uma noite, mas é muito difícil compor. Com o Lucas, no início, era muito fácil. Claro que tem músicas que demoram mais tempo, três ou quatro meses, e na hora de retomar você percebe que a coisa não era tão boa.

Por exemplo, eu me arrependo de ter gravado umas músicas do Letuce, no meio daquela jornada insana. Mas é a idade também. Agora tô com 32 e nesse processo, apesar de capenguista, espontâneo e meio louco, tô mais madura pra falar: “Letícia, não! Um dia você vai se arrepender, calma.”

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