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RÓZÀ | Tudo o que vocês fazem é por medo da multidão*

Temporada: Casa do Povo /São Paulo de 18 abril a 12 maio
Lotação esgotada 

Uma caixa de madeira e plástico é o lugar onde se activa uma ideia de prisão. Nós somos o público e elas são as atrizes, nós somos 50 e elas são 3, nós sentamo-nos junto delas dentro dessa caixa onde a imagem mental de prisão se expande, rapidamente a imagem come toda a arquitetura e toma o primeiro lugar: enfim, estamos presos. Como Rosa Luxemburgo foi presa. E como muitos outros serão presos ainda hoje, ali perto da Maré, ali na Rússia, ali na Crimeia, ali na Nigeria, aqui agora, aqui em São Paulo, a 100 metros da Casa do Povo onde a peça se apresenta.  Nós somos 50, elas são 3, e o número de presos são…..? A prisão (a prisão política) é lugar de fala de “RÓZÀ”, onde talvez o fosso tecnológico que separa o século XX do XXI, se torne menos urgente, pois afinal a prisão é uma instituição que permanece e mistura ambos os séculos.

Rosa Luxemburgo, polonesa de nascença, militante socialista, presa política, é o centro dramatúrgico dessa mistura. Em “RÓZÀ”, três atrizes são três Rosas ou três perfis de mulheres genéricas lutando pela esquerda (Martha Kiss Perrone, Lúcia Bronstein e Lowri Evans). Misturando o passado e o presente sem pré-aviso, passamos por imagens de Pussy Riot, pela manifestações de junho 2013 em São Paulo ou pelo apelo direto à potência plural da “multidão” deixando de lado palavras mais antigas e unitárias como “povo” ou  “classe”, tudo isto sem que por um minuto nos afastemos de Rosa Luxemburgo. Na vida de Rosa, muitas prisões lhe foram reservadas: a prisão física, o sexismo, a própria esquerda, a morte (Rosa foi assassinada em 1919). E se é difícil dar conta dos 100 anos que nos separam desse momento forte da esquerda na Europa e da raridade que era ter uma mulher participando da vida política, o mais certo é que a história da prisão e da sua arquitetura disciplinar é-nos tão familiar hoje como foi ontem.

De prisão em prisão, caminhamos na dramaturgia de “RÓZÀ”, relembrando que a todo o momento que o corpo pode ser fechado, condicionado, imobilizado por forças de ordem maior.  Da  cela de Rosa para as bombas de efeito moral e do gás pimenta lançados diariamente contra manifestantes em São Paulo, sem amarras incondicionais à história individual desta mulher, o fascínio exercido pela pedra preciosa (ou por uma perda preciosa) não impede que Rosa se mostre, ou que a sua perda pare de brilhar por excesso de drama, mensagem ou metáfora. É assim que a proposta das diretoras Martha Kiss Perrone e Joana Levi vai justamente no sentido da multiplicação de perspetivas, da criação de novas lentes para olhar a passagem do século XX para o XXI e não de um fechamento sobre uma imagem, uma biografia e uma só esquerda.

Como ponto de partida deste projeto, está o volume imenso de correspondências, diários e textos políticos, assim como um paciente herbário e um jardim, que Rosa Luxemburgo cuidou durante os vários anos que esteve presa ao longo da sua vida. Essa base de trabalho,  permitiu que a peça caminhasse no sentido da fragmentação e da abertura textual, no uso de materiais abstratos como plástico, plantas e fragmentos de filmagens em Berlim, assim como a criação de habitats de silêncio ou de música (tem um momento hilariante em que a inglesa Lowri Evans, uma das atrizes, se lança num punk core tipicamente londrino e de reminiscência feminista).

Essa decisão permitiu também que a prisão se ampliasse para um lugar de meditação e intensa produção de pensamento. Diz a dada altura uma das atrizes citando uma das cartas de Rosa escritas durante a prisão: “Prefiro estar neste pedacinho de jardim, do que passar horas fechada em reuniões do Partido”. Sem pudor e com comédia, em “RÓZÀ” a vida de uma ativista precisa continuamente deslocar-se das lutas de uma causa só, da mitificação, e do heroísmo. Uma deseroização, palavra inventada por Clarice Lispector, é o mote deste trabalho, mesmo quando a voz teatral destas mulheres em palco parece ainda deslizar por momentos (dada a sua formação técnica) para uma certa solenidade. Tentar deixar cair o ego, liberta-se da solenidade e reencontrar a situação política actual é uma das forças de “RÓZÀ”.

* frase de Rosa Luxemburgo

 

Ficha Técnica

Concepção : Martha Kiss Perrone
Direção: Martha Kiss Perrone, Joana Levi
Atrizes: Lowri Evans, Lucia Bronstein, Martha Kiss Perrone
Dramaturgia: Martha Kiss Perrone e Roberto Taddei
Assistente de Direção: Olívia Niculitcheff
Instalação Cenográfica: Renato Bolelli Rebouças
Criação Vídeo: Marília Scharlach
Direção Musical: Edson Secco
Composição: Edson Secco, Ligiana Costa
Preparação Vocal: Ligiana Costa
Iluminação: Beto de Faria
Figurino: Daniela Porto

Ass. de Arte: Camila Vieira, Dora Coelho
Programação Visual: Carlos Perrone, Sami Makino
Colaboração visual projeto : Ana Basaglia
Cenotécnico: Valdeniro Paes (Nene)
Direção de Produção – José Renato Fonseca de Almeida
Produção Executiva: Cais Produção Cultural
Co-Produção e Patrocínio: Busca Vida
Ass. de Produção: Beto de Faria
Produção durante os ensaios : Valéria Blanco

Categorias: Blog. Tags: carrossel, Casa do Povo, Joana Levi, Martha Kiss Perrone, Rita Natálio, Rosa Luxemburgo, Rózà e São Paulo.