[por Christiane Jatahy*]
Fronteiras são zonas de instabilidade, de risco, onde um território avança sobre o outro ultrapassando linhas invisíveis. É justamente na transitoriedade dessas linhas que a minha pesquisa reside. Teatro, vídeo/cinema, ator, personagem, realidade ou ficção extrapolam seus territórios de domínio para se chocarem no espaço da experimentação artística. Tornar híbrido para produzir novas situações e apreensões é o objetivo dos últimos trabalhos que realizei.
Na Falta que nos move – peça, a linguagem cinematográfica estava presente na atuação dos atores, flagrados pelo olhar do público. Quem vê recorta a cena que não se reduz a um foco único. Essa experiência do olhar do público “como câmera que enquadra” a cena, estava presente também na montagem do Carícias no Teatro do Jóquei. Arquibancadas móveis e pantográficas atuavam como carrinhos de câmeras na relação cena x espectador. A relação vídeo x teatro, se concretizava na peça que dirigi em 2004, Conjugado, com a presença da TV em cena, passando a programação ao vivo, e no final nas múltiplas TV’s espalhadas pelo espaço com um documentário sobre a solidão. E extrapola o espaço cênico em Corte Seco, quando a rua, os camarins, os bastidores do teatro são revelados através das imagens projetadas em cena e captadas ao vivo por câmeras de segurança. O hibridismo não se dá apenas pela presença do vídeo em cena, mas pela mistura do real (a rua, os carros, os pedestres) com as cenas ensaiadas e executadas na rua no tempo real da ação.
Além disso, no Corte Seco, como o próprio nome diz, a peça é editada ao vivo, como em uma ilha de edição de cinema, as escolhas dos trechos e detalhes mudam completamente o olhar/tempo/relação do espectador com a cena. A estrutura teatral se revela através do uso de uma ferramenta do cinema. E, afinal, a busca pela interseção me levou ao cinema efetivamente. Foi quando decidi transpor a peça, A Falta que nos move, para a linguagem audiovisual. Não se tratava de filmar a peça ou construir um roteiro cinematográfico a partir da peça, mas sim, de experimentar no cinema a linguagem já hibrida da peça. No caso do cinema, explorando a relação ficção x documentário, tempo real de filmagem x tempo da ficção, roteiro x improviso, ator x personagem, e claro, a presença da câmera do lugar do espectador e o risco de fazer um filme dentro de um filme, feito pelos atores que fizeram a peça que está presente no filme sem ser teatro. Camadas e mais camadas se sobrepondo em 13 horas contínuas de filmagem, geraram um filme inquietante.
E, talvez, essa seja a palavra motor “ inquietação”. Sair da passividade do território conquistado e abusivamente avançar no outro. Profanar. Não para ganhar terreno, mas para abrir novas possibilidades de ver. Novas frestas. Aberturas. Novos tempos presentes. E talvez, quem sabe, encontrar o extraordinário “aqui e agora”.
*[Christiane Jatahy é diretora, dramaturga e atriz. Fundadora da Companhia Vértice de Teatro, seu trabalho se centra na pesquisa de linguagem e nas relações entre ator e público.]