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Entre primaveras, o som ao redor e Simon McBurney

Notas sobre Amazon Beaming: work in progress, atuação e direção de Simon McBurney, da Cia Cumplicite, baseado no livro homônimo de Petru Popescu, integrantes do Festival of International New Drama (F.I.N.D. #15) 2015, que ocorreu em Abril entre os dias 17 e 26.

É primavera em Berlim, os termômetros marcam 14˚. As pessoas nas ruas estão animadas com a nova estação. Já eu, saí de casa com dois casacos e um cachecol. Lembro que quando vim para a Berlinale (Festival de Internacional de Cinema de Berlim) a única forma de aguentar os -20˚ era com duas meias e um saco de compras entre elas para que os pés não pegassem umidade. Andava duas quadras e entrava numa loja, sem motivo, somente para aquecer a jornada. Foram duas semanas e quase 50 filmes assistidos.

Desta vez, a vinda foi com outro foco. O primeiro deles foi assistir a primeira peça do F.I.N.D. (Festival Internacional da Nova Dramaturgia), do Schaubuehne.

Amazon Beaming

Platéia lotada. Nova obra do Simon McBurney, da Cumplicite. Thomas Ostermeier, diretor geral do teatro, está na plateia. Simon começa explicando o convite para participar do festival. Fazia uns 10 anos que ele não se apresentava no teatro, Thomas o chamou, mas Simon não tinha uma obra, estava em processo. Thomas insistiu e pediu que ele trouxesse o que tivesse. De forma descontraída, ele pede desculpas ao público, já que vamos ver uma obra inacabada.

Com as luzes ainda acessas, ele começa a explicar o que vamos experimentar. Toda obra artística é ficção, o que determina sua admiração é a relação que conseguimos estabelecer com ela, que verdades e mentiras e o que imaginamos. O que me lembra muito os filmes “Europa”, de Lars Von Trier, ou mesmo “Reconstrução de um Amor”, do dinamarquês Christopher Boe, que narram para o público o cenário e o que vamos ver, reforçando que a obra é uma criação “Isso é uma obra de ficção, nunca se esqueça disso” (fala da obra de Boe).

Recebemos fones de ouvidos na entrada do teatro, sem qualquer explicação. Tudo só faz sentido no momento em que Simon pede que a plateia os coloque.

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Do palco, ele apresenta ao público um microfone super tecnológico, em forma de “manequim de cabeça”, com vários microfones que replicam a sensação auditiva de um ser humano captando o som ao redor. Quando Simon se desloca de um lado escutamos como se ele estivesse realmente se afastando. Com isso, ele nos transporta para o meio do palco, de forma sensorial.

O artista conta um pouco da estória por traz desse espetáculo/performance, a adaptação e conversa que ele teve com o autor de Amazon Beaming, de Petru Popescu. O livro conta a estória do escritor e fotógrafo Loren McIntyre, que depois de anos de pesquisa a distância, em 1971, viaja ao interior profundo da Amazônia em busca da tribo Mayoruna, as “pessoas-gato”. No livro, ele relata que conseguiu seu objetivo e que, no fim, já era capaz de se comunicar telepaticamente com o xamã da tribo.

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Na realidade, a estória é somente um trampolim para que Simon explore questões como a consciência humana e a percepção da realidade, do tempo e da natureza. Durante a apresentação ele brinca com as experiências sensoriais e o que podemos criar a partir delas: nos pede para fechar os olhos, pisa num rolo de fita enquanto narra que está andando pela floresta e o que ouvimos são folhas no chão.

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A obra se divide entre a narração do livro com o ambiente recriado por elementos, barulhos, trilhas e mesmo mudanças de voz, que Simon cria com recursos tecnológicos, além do processo do processo, com áudios de conversa dele com outros membros da Cumplicite, com o autor do livro, com a equipe do F.I.N.D. e até o próprio Thomas.

Talvez nessa obra Simon tenha explorado ao máximo o significado da companhia que criou em 1983, de que o teatro só funciona quando se estabelece “cumplicidade” (daí o nome da cia) entre os atores e a plateia, e o que dessa experiência/relação podemos imaginar e criar além.

Obras como “Seewatchlook”, de Michel Melamed, que se apresentou em NY, ou o mais recente espetáculo do Gustavo Ciríaco, “Onde o horizonte se move”, que está em turnê agora, criam um espetáculo na rua e reforçam o discurso de Simon. Quem cria o espetáculo é a plateia, só nos basta dar os estímulos necessários. O que é espetáculo e o que é realidade? Só nos bastar mudar o olhar ou, no caso de Amazon Beaming, escutar.

Categorias: Blog. Tags: carrossel, Christopher Boe, Cumplicite, Gustavo Ciríaco, Lars Von Trier, Loren McIntyre, Mayoruna, Michel Melamed, Petru Popescu, Simon McBurney e Thomas Ostermeier.