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A MESSAGE TO YOU | ENTREVISTA COM MARCUS “MPC”

Foi através de um anúncio de jornal, em 2001, que conheci o som do DigitalDubs. Era uma chamada para uma apresentação em um sebo de livros em Copacabana. Na época, eu estava tão ligado na cultura jamaicana que parecia um desejo realizado: ir em uma festa de reggae/dub de revirar o baú e trazer as novidades desse universo vasto de tantos artistas, coletivos e estilos musicais.

O DigitalDubs é a primeira equipe de som especializada em reggae e dub no Rio de Janeiro. Seu idealizador e fundador é o Marcus “MPC”. Logo depois daquela primeira apresentação ficamos amigos e tive a honra de fazer parte do começo dessa história. Hoje o DigitalDubs tem quatro álbuns, vários singles em vinil, um selo próprio (MUZAMBA), já fez turnês pela Europa e Estados Unidos, além de parcerias com lendas do reggae como Ranking Joe e Cedric Myton.

Fiz essa entrevista na casa do Marcus, no Largo do Machado, em uma quarta-feira, quatro da tarde.

 

Haroldo Mourão – O que mudou daquela primeira apresentação na Baratos da Ribeiro – sebo de livros e discos em Copacabana – pra cá? Como você faz esse balanço?

MPC – Desde o começo, o DigitalDubs tem a postura de fazer um som de mente aberta dentro do reggae. De tocar do ska ao dancehall. E quando a gente começou, era aquela nossa visão de longe. Uma pesquisa pela internet, baixando umas coisinhas, nem YouTube tinha naquela época, a gente  tinha que correr atrás de informação. Mesmo assim, apresentação ao vivo é uma outra história.

Depois de algumas turnês pela Europa e Estados Unidos, principalmente em Londres, onde a cena Dub sobrevive, é sempre um aprendizado. Lá tem a cultura forte dos Sound Systems, de uma forma tradicional, do pessoal construir as caixas de som.

Experimentei várias formas e, hoje em dia, eu toco mais no formato que é bem influenciado pelo Jah Shaka – produtor jamaicano – com um toca disco só. Também uso o microfone, os efeitos e MCs ao vivo.

 

H.M. – Muda a dinâmica do baile?

MPC – Muda muito, cria uma linguagem. Por exemplo, tocar com dois toca discos ou com outros DJs, a transição entre as músicas é mais rápida. Quando você toca com um toca disco só, você tem que ter um tempo que eu acho que combina com o dub. O tempo de tocar a música, parar, soltar um efeito, virar o lado B do disco, tocar a versão dub, não tem aquela pressa de tocar dez músicas em dez minutos. Uma música com a versão dub pode durar dez minutos e se for boa, o pessoal ainda pede pra voltar e tocar tudo de novo.

Por outro lado, também não sou um cara radical de só usar vinil e tocar sempre da mesma forma. Não acredito nisso. A gente tem que usar a tecnologia que taí e ver se encaixa. Quando eu viajo, principalmente nas turnês, não dá pra ficar levando um monte de vinil. Eu toco no formato digital mesmo.

Uma coisa que é muito valorizada na cultura do Sound System é a música exclusiva, o dubplate.


H.M. – O que é um Dubplate?

MPC –  O Dubplate é a faixa exclusiva. É uma faixa que valoriza o baile e o momento de quem está ali, na festa.

Ao vivo, eu toco algumas músicas minhas pela primeira vez e também produções de outros artistas da cena internacional com quem a gente tem uma relação boa, como: Mungos Hi-Fi, Dubkasm, Zion Train, Vibronics e artistas mais novos.

 

H.M. – É parte da cultura dos Sound Systems a procura do grave perfeito. Os produtores estão sempre aprimorando o equipamento de som, com ênfase nas caixas. Como é essa parte, mais técnica, no DigitalDubs?

MPC – A grande parada do cara ter um sound system é ele montar as caixas com a sonoridade que ele gosta. Normalmente, no PA comercial, o cara tem que fazer um som que soe bem qualquer tipo de música, é um som linear, que fala todas as frequências de uma forma cristalina e se o DJ vai tocar rock ou techno, tem que soar bem.

O modelo das caixas do DigitalDubs, é o Scoop, muito usado pelos sound systems da Inglaterra. É uma caixa enorme. Aqui, se você falar pra qualquer engenheiro de som que vai fazer essa caixa, ele vai dizer que você é maluco, tá ultrapassado, sacou? É um modelo dos anos 70, 80, não faz muito sentido pra eles. Mas pro reggae faz sentido. O reggae soa bem nesse tipo de caixa.

Quando você monta um sistema de som que você não vai alugar pra ninguém, que é pra tocar o seu tipo de música, um técnico pode achar que do jeito que você vai montar é errado. Mas eu posso botar grave pra caralho, médio ou agudo do jeito que eu quiser e fazer um projeto de caixa de som pra tocar um timbre específico.

E tem mais, dentro do reggae dub você vai ter vários gostos. Cada sound system vai montar as caixas de uma forma. Não tem um formato só pra todos. Pra começar, se você pegar um projeto inglês de sound system, algumas peças você não vai achar aqui, então já muda a sonoridade. Tem a madeira da Inglaterra, que já é uma outra qualidade, vai influenciar na acústica. Além do preço aqui do Brasil, que é três vezes mais caro. (risos)

 

H.M. – E lugar pra tocar?

MPC – Esse é um outro problema. Mas acho que todo sound system já teve ou ainda vai ter esse problema. (risos)

Hoje a gente toca em uma festa na Lapa toda segunda feira, o som de lá é bom, tem um peso legal. Claro que não é o nosso sound system que a gente só leva pra festas especiais, com convidados.

 

H.M. – Você acha que o DigitalDubs formou um público?

MPC – São treze anos, né? No início eu queria tocar tudo, não só Bob Marley ou Reggae Roots. Aliás, pra esclarecer, Reggae Roots é música com mensagem. Pode ser espiritual, política, de auto-conhecimento, protesto, negritude ou auto-afirmação. Então eu posso tocar uma música toda feita no computador, mas se o cara tá mandando uma mensagem, aquilo é Reggae Roots.

Disseram, na época, que eu não gostava de Bob Marley. Porra, Bob Marley é foda! É até uma coisa maior que o reggae. O problema são as cópias mal feitas ou só tocar Bob Marley. Então, quando a gente começou, tinha uma fome de mostrar tudo que ninguém conhecia.

E o público sempre se renova. A gente ficou cinco ou seis anos na Casa da Matriz – casa noturna em Botafogo – toda quarta. Sempre com gente nova, querendo conhecer os sons. Hoje, a gente tá toda segunda na Lapa, desde o verão de 2013. Tem gente que tá indo no baile hoje e tinha oito anos quando a gente começou.

 

H.M. – Outros sound systems surgiram, aqui no Rio, influenciados pelo DigitalDubs.

MPC – Com certeza. Só ver a quantidade de sound systems, festas ou DJs tocando. Na Casa da Matriz, a gente sempre recebeu convidados e toda a galera dessa cena passou por lá.

Na última festa a gente recebeu o pessoal da “Fayah”, uma festa relativamente nova, eles tocam a música jamaicana, mas com a personalidade de tocar uma coisa moderna, com influências do dubstep e também fazem umas produções só com som 8-bit, de joguinho, tipo Atari e aquelas batidinhas Casio, anos 80.

 

H.M. – Uma experiência de ir no baile dos sound systems, principalmente com os convidados, é a proximidade do público com o artista que em outro lugar você não tem.

MPC – Sim! O Sound System quebra aquela distância do artista no palco. Um exemplo foi a noite com o Cedric Mynton, – Vocalista da lendária banda de reggae The Congos –  quando acabou o baile, às cinco da manhã, ainda tinha umas duzentas pessoas e o cara ficou no meio da galera. Todo mundo veio abraçar, tirar foto, conversar. Foi foda.

Da mesma forma, eu acho que um sound system no palco não passa a mesma energia de tocar no chão. É o formato que eu mais gosto de fazer. No mesmo nível que a galera, escutar o mesmo som que o público, da mesma caixa de som. Fica mais próximo, mais pessoal, traz mais espontaneidade também.

 

H.M. – Você tem a lembrança de quando decidiu se tornar um DJ de reggae/dub?

MPC – Quando eu era mais novo, eu achava que ia trabalhar com desenho. Eu estudei design gráfico. Mas, desde moleque, eu sempre gostei de botar som na festa dos amigos. Sempre curti músicas com influência de reggae. Quando eu descobri o Dub, eu escutava muita música eletrônica, Drum and Bass, Jungle…Depois vieram as influências: Lee Perry, King Tubby, pensei “Esse é O Som”. Até que chegou um momento que não tinha ninguém tocando esse estilo. E veio a vontade de botar aquele som na rua, fazer uma festa, mesmo sem ser um especialista. Achava aquilo foda e queria compartilhar com as pessoas.

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