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tempo em curitiba – um convite à proximidade

Um dos destaques da programação do Festival de Curitiba de 2012 foi, sem dúvida alguma, a Mostra “Grupos de BH – Teatro para Ver de Perto”, com curadoria de Chico Pelúcio e Leonardo Lessa. Tendo como recorte a produção recente de jovens grupos, o evento levou à curitiba sete espetáculos que, em seu conjunto, revelam trajetórias diversas e surpreendentes do fazer teatral mineiro. Além das peças, a Mostra reservou atenção também à produção editorial, com os lançamentos da 8ª edição da Revista Subtexto de Teatro e do livro “Teatro sem diretor”, escrito pelo diretor e encenador russo Jurij Alschitz, responsável pela direção do espetáculo “Eclipse“, que o Grupo Galpão apresentou na capital do Paraná e que irá estrear aqui no Rio de Janeiro em breve.
Aceitando o convite à proximidade, tivemos a oportunidade de assistir a três espetáculos desta nova safra, além de participar do bate-papo entre os artistas da Mostra. O mérito da Mostra se baseia no fato de ela se localizar a meio caminho entre a Mostra Oficial e o FRINGE. Isto porque, os espetáculos, absolutamente diferentes entre si, reúnem-se em torno da perspectiva dos curadores, que privilegiou a pesquisa dramatúrgica contemporânea, apresentando novos olhares para velhas questões. Com isso, o grupo de grupos aproveita a mostra paralela para criar um outro circuito, um mercado próprio, afirmando – a um só tempo – autonomia e complementaridade em relação à Mostra Oficial.

Além de “Cachorros Não Sabem Blefar“, o segundo trabalho da Cia. 5 Cabeças, assistimos também a “A Pequenina América e sua Avó $ifrada de Escrúpulos“, da Mayombe Grupo de Teatro, e a “Outro Lado“, da Quatroloscinco e é sobre eles que iremos nos deter a partir de agora.

Foto: Rubens Nemitz Jr

Pode-se dizer que “A Pequenina América e sua Avó $ifrada de Escrúpulos” apresenta um entrelaçamento profícuo entre Brecht e Dostoievski. Lançando mão de um procedimento alegórico, o espetáculo apresenta o continente americano personificado no corpo de uma jovem mulher. A américa, portanto, é um personagem feminino cuja vertiginosa trajetória temos oportunidade de acompanhar em cena. Há no espetáculo algo de “Aquele que diz Sim, Aquele que diz Não“, de Bertold Brecht, uma vez que ambas revelam um protagonista que, ao sabor dos acontecimentos, deve confirmar ou negar o seu destino. A presença de Dostoeviski é identificada justamente no tratamento dado ao protagonista que, por sua vez, apresenta algumas semelhanças com o idiota do autor russo – um personagem mais reativo e menos ativo, sendo, na maioria das vezes, conduzido pelas situações, sem criá-las ou determiná-las. América, com isso, faz o que lhe é mandado que seja feito, sendo uma espécie de Woyzeck que não consegue reclamar o seu destino.
Este espetáculo, na realidade, tinha tudo para dar errado, pois poderia cair em tentação de propor um historicismo caduco e arrogante. No entanto, a possibilidade de uma escrita histórica surge como investigação temática e formal, observada sobretudo na dramaturgia que, fragmentada, produz sentidos sincrônicos e diacrônicos, recheados das referências mais díspares. Neste ponto, pode-se estebelecer um elo entre o aqui-agora teatral e aquele histórico. O presente teatral, entendido como presente histórico, é impregnado de inúmeras camadas e discursos, incluindo aí trechos de desenhos animados e músicas pop, relatos de tortura, passagens bíblicas etc. Com isso, o discurso não é o da verdade mas da eloquência – que há muito de verdade, mas que não se pretende como tal. Neste sentido, este espetáculo – cuja genealogia deve levar em conta “Cacilda!” e “Os Sertões” de Zé Celso – serve como um belo contraponto a outras experiências cênicas do FRINGE que se pretendem reveladoras da verdade, em especial “Notícias Torturadas“, de Gehad Hajar – encenado no presídio do Ahú – e “Mulheres Vermelhas“, de Gilson Filho.

Foto: Rubens Nemitz Jr

A dramaturgia de “Outro lado” parece ser composta de dois lados. O primeiro refere-se ao prólogo e ao epílogo, fortemente marcados pela história do cubo mágico – dos inúmeros caminhos, havendo apenas uma única solução. Ora, à solução, a monocromia dos lados, chega-se por meio da mistura cromática de todos eles. Ela seria a morte, podendo também ser associada a uma conclusão formal. O segundo momento refere-se ao miolo do espetáculo, no qual os quatro atores interpretam personagens confinados em um bar, ameaçados periodicamente por um perigo – cuja fonte desconhecemos – de invasão externa. Entre as inúmeras possibilidades – vistas no primeiro momento – e a solução formal do segundo momento, ressalta-se as promessas do prólogo e do epílogo. Isto porque, mais do que a monocromia da conclusão,  o cubo mágico representa exatamente o processo de sua solução. Tal processo evidentemente pode ser passível de sistematização. Mas sua racionalização não é obrigatória – e este é o ponto que o grupo poderia ter reservado maior atenção. A dramaturgia – no início e no final do espetáculo – aponta para caminhos bem interessantes. No entanto, o seu desenvolvimento parece recair na morte da solução – um resultado formal que aposta em uma oposição clara e evidente, como se este antagonismo explícito fosse pertinente à vida contemporânea pós-queda do muro de Berlim. Dito de outro modo, ao cubo mágico seria interessante que o QuatrolosCinco associasse a fita de Möbius – neste caso, a solução não seria a morte da forma, a monocromia, mas o devir da heterogeneidade (que poderia ser igualmente monocromático, afinal a monocromia do suprematismo russo representa a supremacia do puro sentimento). A forma, com isso, seria menos um confinamento e mais um desvio (É Nicolas Bourriad quem associa a gênese formal pelo desvio de partículas quânticas).  Pois, ao espectador resta um distanciamento – que não parece intencional por parte de seus criadores – resultante de um estranho déjà vu. Ele é atenuado pelo trabalho cuidadoso dos quatro atores e da direção de arte (cenário e figurino) que tratam de estabelecer devires semânticos e formais essenciais ao espetáculo.

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