Fazer teatro só pra artista de teatro é redundante. É talvez como se os médicos só operassem as enfermeiras ou como se os psicólogos só atendessem as psiquiatras ou como se os engenheiros só projetassem prédios para as arquitetas ou como se as prostitutas só dessem para os garotos de programa ou como se os taxistas só levassem os motoboys ou como se os cozinheiros só cozinhassem para as garçonetes ou como se o escritor só escrevesse para a editora ou como se o porteiro só abrisse a porta para o garagista ou como se a apresentadora de TV só fizesse o programa para os câmeras ou como se motorista do ônibus só conduzisse o cobrador.
Esta é a opinião da atriz e diretora Georgette Fadel que, neste 2° TEMPO_FESTIVAL, apresenta o espetáculo com um título, digamos, um tanto quanto extenso Quem Não Sabe Mais Quem É, O Que É E Onde Está Precisa Se Mexer. A montagem da Cia. São Jorge de Variedades é resultado do mergulho que o grupo fez na vida e na obra do dramaturgo alemão Heiner Muller (1929 – 1995).
A obra de Heiner Muller é marcada pela transgressão e pela radicalidade. Vivendo em momentos difíceis de uma Alemanha partida ao meio, Muller é o responsável por refletir a respeito da própria condição histórica de seu país, pois, segundo ele “É preciso aceitar a presença dos mortos como parceiros de diálogo […] somente o diálogo com os mortos engendra o futuro”. O autor não apenas utilizou a História como tema, mas teve também a coragem de representá-la. Textos como Mauser colocam no palco a história recente do comunismo. Muller ainda retoma textos clássicos da dramaturgia Ocidental, como Medéia e Hamlet, atualizando-os sob a sua estética inconfudível em MedeaMaterial e HamletMachine (1977).
Após ser encenado por importantes diretores do panorama teatral contemporâneo, como Bob Wilson e Gerald Thomas, Muller agora é o ponto de partida para o espetáculo de Georgette Fadel. Ao invés de apresentar sua obra em edifícios teatrais, como fizeram seus pares, Fadel propõe uma nova estrutura espacial para Quem não sabe mais quem é, que começa nas ruas e segue para um espaço nomeado como “apartamento gaiola”. A tentativa de Fadel é justamente ampliar o espaço de reverberação da obra de Muller, sem cair na redundância comentada pela atriz e diretora em seu comentário inicial.
Quem viu o espetáculo, recomenda. Veja, por exemplo, o que Lilian Pace comentou em seu blog, clicando aqui.